sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Mais democracia é melhor democracia?


Mais democracia é melhor democracia?



Entendo que o processo de construção europeia pode fazer-se sem o recurso a qualquer referendo

Pedro Norton

8:46 Quinta feira, 17 de Nov de 2011
A trapalhada que o Sr. Papandreou arranjou a propósito do referendo-que-não-chegou-a-sê-lo relançou, como seria de esperar, um debate mais vasto: o debate sobre a legitimidade democrática de um processo de construção europeia feito, como agora se diz, "à margem dos povos". É tentador embarcar nesta onda. Estamos a falar, disso ninguém duvida, de matérias fundamentais para o futuro da Europa e parece lógico reclamar uma legitimação acrescida de todo o processo que, alegadamente, só pode ser conseguida quando for "devolvida a palavra ao povo".
Devo confessar que tenho uma posição sobre esta matéria que suspeito ser largamente minoritária. Entendo que o processo de construção europeia pode fazer-se sem o recurso a qualquer referendo. Mais: entendo que o processo deve fazer-se sem o recurso a qualquer referendo. E desenganem-se se imaginam que me vou pôr a defender tão esdrúxula ideia com base numa qualquer presunção elitista sobre a incapacidade dos eleitores para dominar temas de complexidade elevada. A razão é outra. Acredito, heresia das heresias, que mais democracia não significa necessariamente melhor democracia.
Antes que comecem a chamar-me fascista, permitam-me que recorde que esta discussão não é nova e que o argumento não é meu. De facto, a democracia representativa, tal como hoje a conhecemos, surge, no século XVIII, na novel república americana e na sequência de um longo debate político, como uma via intermédia entre um ideal platónico ou elitista, esse sim não democrático, e o populismo basista de tipo rousseauniano. Defende, deliberadamente, uma inteligente solução política que abraça o ideal da soberania popular mas, ao mesmo tempo, isola a República do perigo das paixões súbitas e irrefletidas. É um modelo que consegue compatibilizar os valores da igualdade política com as virtudes da reflexão, da ponderação, da deliberação, e da construção de consensos. Um modelo que tem o propósito declarado de evitar que as opiniões públicas se transformem obrigatoriamente em políticas públicas. Ao contrário do que acontecia na antiga Atenas, na moderna democracia representativa o papel do povo não é o de governar-se a si próprio mas o de escolher quem, em seu nome, governará: "The people will decide who shall decide". Não se nega que os cidadãos estejam aptos a governar-se mas defende-se que essa capacidade não seja exercida por todos os cidadãos, a todo o tempo e a propósito de todas as decisões. Em vez disso, sugere-se, deve ser utilizada para escolher e controlar um grupo de representantes periodicamente eleitos. Como escreveu, em tempos, Pacheco Pereira, "a democracia representativa é suposto libertar os políticos da pressão da demagogia, dando-lhe uma reserva temporal ou poderes próprios em que o controlo popular é indireto, permitindo-lhe tomar medidas impopulares mas necessárias sem terem imediatamente a sanção do voto".


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